A história que te serve de escudo, te sabota em silêncio

“A história que te serve de escudo, te sabota em silêncio.”

Eu ouvi essa frase hoje e foi um soco no estômago. Mas também uma virada de chave.

Eu tenho muitas histórias. E a maior parte delas não são boas. E contam sobre uma vida cujo foco durante muito tempo foi sobreviver mais um ano, um mês, um dia… são histórias crueis, que se contadas de forma literal, se tornam viscerais. E eu as contava, repetidamente. Dia após dia, pessoa após pessoa. Todo mundo que eu conheço conhece pelo menos uma história triste da minha vida. 

E essas histórias todas foram usadas, ainda que de forma inconsciente, para ganhar afeto, admiração, reconhecimento. Eu precisava que vissem como eu era forte, como eu superei tantas coisas, como eu tinha passado pelo inferno de Dante e não tinha morrido — por fora. E todas elas tinham um propósito: contar pra mim mesma, mais do que aos outros, que eu tinha conseguido. Que eu tinha valor. Que eu merecia mais. 

E quando eu saí do inferno, eu não tinha mais ele como desculpa para não seguir. Mas ainda tinha as histórias como muleta. Mas veja bem, uma muleta, ela não te impede de ir: mas com certeza te atrasa no chegar. E eu me atrasei muitas vezes quando, em vez de seguir, parei pra contar como o inferno era quente, e que por isso, eu ainda não conseguia ir. Ou como o diabo era malvado e que por causa dele, eu desaprendi a caminhar. Ou como as queimaduras eram grandes e profundas e que, por causa delas, eu tinha vergonha de me mostrar. 

Essas histórias, que facilmente se passam por motivação, escondem a maior âncora de todas: a estagnação. Não é que eu não queria agir, ou que não tinha força ou coragem, tampouco destino (que absurdo, depois de tudo que passei!). Esse não era o problema, já que vontade, coragem e força eu sempre tive de sobra. E sabia exatamente para onde queria ir. O que eu não tinha era permissão. Eu não podia andar mais rápido por causa das muletas que, ao longo dos anos e de tantas repetições dos porquês, se tornaram escudos

Carregar um escudo em uma guerra é útil, é necessário e chega a ser vital. Mas a vida não se resume a batalhas. E mesmo em uma guerra, soldados também descansam. E entre uma batalha e outra, largam o escudo pra lá um pouco. Mas se a guerra acabou, e eu não preciso mais lutar, e ninguém está vindo me atacar, para que me defender? Do que?

Usar o escudo após a guerra estar vencida é inútil. E me torna lenta. Quando a vida não é mais guerra, o escudo é autossabotagem. Me faz tropeçar. Me lembra o tempo todo de feridas que já sararam. De infernos que já esfriaram. De diabos que já morreram. 

Largar o escudo é ter permissão para ir adiante. Pra andar mais rápido e então correr. Largar o escudo é me preparar para voar. 

Eu tenho muitas histórias, decerto. Mas como toda boa história, estão no passado. 

E agora tem um final feliz. 

“Era uma vez…”

Com amor, Priscilla.

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